O Candomblé é Politeísta ou Monoteísta?
Em meio aos debates sobre as crenças das religiões de matriz africana, muitas vezes somos rotulados de forma equivocada. As acusações de sermos adoradores de múltiplos deuses são frequentes, mas é hora de esclarecer essa questão de uma vez por todas.
O Candomblé, uma das religiões mais representativas dessa matriz, muitas vezes é mal compreendido em relação ao seu sistema de crenças. Como um Babalorixá dedicado à tradição, sinto-me na obrigação de trazer luz a essa discussão.
O ponto central dessa análise é entender a visão teísta que permeia as definições religiosas. O teísmo, segundo diversos dicionários, refere-se à crença na existência de um ou mais deuses pessoais que exercem influência sobre o mundo. No entanto, é importante destacar que essa definição pode ser limitante quando aplicada ao Candomblé.
Diferente das religiões monoteístas, como o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, que creem em um único Deus, o Candomblé apresenta uma perspectiva mais abrangente. Nosso entendimento do divino transcende a concepção antropomórfica comum nessas religiões. Não cultuamos um Deus com forma humana, mas sim reconhecemos a presença de Olodumaré, o ser supremo que está além da compreensão humana.
Essa diferenciação é crucial para compreender que o Candomblé não se enquadra estritamente como uma religião monoteísta ou politeísta. Nossa fé está além dessas definições simplistas. Ao invés de adorarmos múltiplos deuses ou um único Deus, cultuamos as energias e forças divinas manifestadas nos Orixás, que são entendidos como emissários de Olodumaré, responsáveis por intermediar a relação entre o divino e o humano.
É importante ressaltar que nossa religião não se baseia em idolatria ou adoração de entidades separadas de Olodumaré. Cada Orixá é reverenciado como uma manifestação única do divino, mas sempre em conexão com a fonte suprema de tudo que existe. Portanto, as oferendas e rituais realizados no Candomblé têm como objetivo honrar não apenas os Orixás, mas também reverenciar a energia primordial que permeia toda a criação.
Além disso, a noção de bem e mal dentro do Candomblé é profundamente ligada à ideia de justiça. Não há uma dualidade absoluta entre forças opostas, mas sim a compreensão de que nossas ações têm consequências que refletem os princípios éticos e morais da religião. Não há uma entidade exclusivamente responsável pelo mal, mas sim a compreensão de que o desvio dos valores sagrados pode levar ao afastamento das bênçãos de Olodumaré.
Diante dessas reflexões, torna-se evidente que as tentativas de rotular o Candomblé como monoteísta ou politeísta são simplificações inadequadas de uma fé rica e complexa. Nosso compromisso é com a busca pela verdade e pela conexão com o sagrado, independentemente das definições impostas por outros.
É fundamental que nossa religião seja compreendida com respeito e sem preconceitos. A luta pela valorização e pelo reconhecimento do Candomblé é contínua, mas estamos determinados a seguir adiante, guiados pela força de nossos ancestrais e pela sabedoria de nossas tradições.
Portanto, que possamos continuar honrando nossas crenças, celebrando a diversidade espiritual e defendendo o direito de praticarmos nossa fé livremente. A verdadeira essência do Candomblé vai além de rótulos e definições, residindo na profunda conexão com o divino e no compromisso com a justiça e a harmonia universal.